Texto de João das Neves sobre Relampião
Dois
grupos jovens, dedicados ao teatro de rua, a Cia Paulicea e a Cia do Miolo se
uniram para nos apresentar o espetáculo Relampião.
Relampião
pretende reviver a lendária e emblemática figura do cangaceiro, associado aqui
à luta cotidiana de todos aqueles que, a ferro e fogo,fugindo da seca, da semi
escravidão imposta pelo latifúndio,que, os relega à condição de miserabilidade,
buscam nas cidades grandes, melhores condições de vida.
Tudo
isso soa a um discurso eternamente repetido. De boas intenções o inferno está
cheio.
E,
não bastariam elas para fazer de Relampião um espetáculo atraente, alegre e que
pudesse a levar um espectador tão fluido
como o do teatro de rua a uma reflexão sobre sua própria realidade, por próxima
que fosse.
Espetáculos
de rua frequentemente iludem seus realizadores. Com um público quase sempre
numeroso, afinal como bem diz o nome de um de nossos mais prestigiados grupos o
espetáculo “Ta na rua “. E, independente
de sua qualidade, já se faz simpático por estar ali, gratuitamente, à nossa
disposição. Quebrando nossa rotina, convidando-nos a uma solidariedade
descomprometida etc.
Mas
para que atinja seus objetivos nada disso é suficiente.
É
freqüente, cada vez mais, a existência de espetáculos descuidados que pensam se
justificar pelo simples fato de estarem na rua. De oferecerem gratuitamente os
seus trabalhos. Julgam-se, por isso, populares, comparando-se, e não sem certo
ar de superioridade, às manifestações espontâneas de nosso povo. Esquecem-se do essencial. Que essa
“espontaneidade” foi construída durante dezenas,centenas de anos de silenciosa
decantação. De uma prática que se solidificou e sofisticou através de gerações,podendo
ser comparada em qualidade e rigor artístico a qualquer manifestação artística
da norma culta.
Toda
essas considerações são fruto do impacto causado em nós pela apresentação de
“Relampião”que assistimos na 7ª Mostra
de Teatro de Rua Lino Rojas (Jardim Julieta – Zona Norte –São Paulo).
Marias
Lira, das figuras em barro dos Vitalinos
e Ulisses, dos cavalos marinhos, frevos , cavalhadas, das procissões de semana
santa sobre os tapetes efêmeros
e
coloridos de pos de serra nas ruas de Ouro Preto, da riqueza percussiva dos
reinados negros dos congos etc. Não meras reproduções parafolclóricas; Mas a
apropriação poética de nossas manifestações mais queridas; para um instante de
afirmação de nossa identidade e reflexão sobre o Brasil que temos e o Brasil
que queremos..
( João das Neves é Autor,
tradutor, diretor, ator e iluminador teatral. Dirigiu o setor de Teatro de Rua,
do Centro Popular de Cultura, da União Nacional dos Estudantes (UNE) até 1964,
quando a entidade foi extinta pela ditadura. Ainda em 1964, foi um dos
fundadores do histórico Grupo Opinião. Cursou Prática em Ciências Teatrais, na
Alemanha, estagiando no setor de peças radiofônicas da Westdeutscher Rundfunk.
Dirigiu óperas contemporâneas como “Continente Zero Hora”, de Rufo Herrera, e
“Corpo Santo”, de Jorge Antunes, além de roteirizar e dirigir shows da MPB.
Escreveu e dirigiu “O último carro”, ganhador de mais de 20 prêmios, entre eles
o Golfinho de Ouro, Moliére e o prêmio da Bienal Internacional de São Paulo. É
autor de “Mural mulher” e “Café da manhã”, entre outros. Foi indicado como
melhor diretor ao Prêmio Shell de 2007 (“Besouro cordão de ouro”) e de 2009 (“A
farsa da boa preguiça” ).
Fotos da plateia de Arô Ribeiro
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